quarta-feira, 4 de novembro de 2009

UM PARTO?

A psicose já havia a consumido por três vezes. Na quarta parição, o juízo já perturbado, fazia planos terríveis de morte para o inocente que ansiava por vir ao mundo e a plenos pulmões, chorar, berrar, fazendo com que expandissem em um grande suspiro de vida. Inconsciente dos próprios maléficos desejos ela não esperava cruzar o caminho de quem mudaria sua estória.
Chegando uma a uma, as contrações intensificaram-se, fazendo aumentar no seu inconsciente a vontade de não deixar se concluir aquele ciclo, impossivelmente mais natural.
Não rugia, não emitia nenhum som, mas com cada vez mais força e com certo sincronismo, cada contração fazia com que os músculos fortes de cabocla sertaneja também se contraíssem, impedindo qualquer possibilidade de passagem, e daquela maneira já asfixiara três rebentos.
Chamado às pressas, o médico da pequena cidade, localidade simples que mantinha um pequeno serviço médico hospitalar, chegou de certa forma tranqüilo. Corriam gotas de suor pelo rosto, originadas no calor próprio do lugar. Ao entrar na sala preparada de maneira simples, sem qualquer aspecto tecnológico e que já fora, com sucesso, palco para centenas de nascimentos, o jovem, mas já experiente profissional se deparou com aquela mulher de pele queimada de sol, cabelos desfeitos. Estendida pelo chão, pernas estiradas, tão próxima uma da outra que mais parecia apenas uma. A barriga, embora pequena, mostrava sinais de uma gravidez no final do seu curso, tantas vezes barrigas iguais, menores e até maiores estiveram prontas e deram a luz a rebentos menores, maiores, sadios, outros nem tanto, alguns extremamente fracos que sequer conseguiram o suspiro que traria a força do ar para o interior dos seus pulmões. Aquele não, estava pronto e forte para na primeira oportunidade, berrar mostrando a força com que viria.
Alguém que já presenciara outras parições da cabocla alertou ao médico das tragédias antes ocorridas. De súbito, tomado por um sentimento confuso até para si próprio ele dirigiu-se a parturiente que quase já conseguia seu objetivo de sufocação do inocente. Sem saber ao certo se por vingança ou para ajudar num desfecho que fosse satisfatório, atracou-se com a força de uma forte contração uterina aos cabelos da cabocla. Com ajuda de alguém que a apanhou pelas pernas, que ainda permaneciam unidas, o médico a sustentou pelos fios embaralhados de cabelos e disposta na maca obstétrica ela permaneceu imóvel, contraindo-se. Como quem a anestesiava, plantou-lhe em cada lado da face uma forte bofetada, imprimindo-lhe no rosto as impressões das suas mãos, teve como resposta um relaxamento comparado a uma dose de curare, em poucos instantes ouviu-se no ar um berro de choro forte que estampiu como um grito de libertação.
Todas as medidas médicas foram tomadas, dequitação, ráfia, aspiração, secagem. O ar nutriu-se de tranqüilidade com as coisas voltando à ordem natural dos seus cursos. As pancadas pareciam ter afastado os demônios da psicose, que a dominavam, mandando-os pra longe, e agora, calmamente ela amamentava o inocente, que parecia se vingar do intento com sucções extremamente fortes, sugando dos seios a vida que antes lhe tentaram tirar.
Mais de uma vez, em tom de advertência, alguém interrogou ao salvador, ou agressor, como comunicar o ocorrido ao marido? Como este reagiria?
Caboclo forte de poucas lições: teria discernimento? Não havia opção, as estampas no rosto davam fortes evidências da agressão. Tomado, quase pelo mesmo impulso anterior, investiu de encontro ao desconhecedor. Narrou com firmeza o acontecido, quase com a mesma com que imprimiu as mãos naquele rosto.
Recebe como resposta dois tapas nas costas, viu ser desembainhada à sua frente, uma enorme lâmina, que não chegava a brilhar, e uma frase enquanto a faca era segura pela lâmina:
Não sei mode que o dotô sujou suas mão, devia ter batido era de pau. Muito obrigado.

Claudio T Régis
Em 2006

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